Cristina vai a Pequim em sinal de aumento dos laços com a China
Presença chinesa crescente na economia argentina amplia dependência do dinheiro asiático
Brasil tem perdido espaço para chineses em disputas por obras no país vizinho e no mercado de maquinário
MARIANA CARNEIRO DE BUENOS AIRES MARCELO NINIO DE PEQUIM
FOLHA DE SAO PAULO
FEV.3
Em troca de recursos naturais e mercado cativo para suas exportações, a China aumenta a olhos vistos sua influência sobre a Argentina. Em troca, oferece investimentos em infraestrutura e financiamento abundante.
Sob esse contexto, a presidente Cristina Kirchner inicia nesta terça-feira (3) uma visita oficial à China. Ela se reunirá com presidentes de empresas chinesas e, nesta quarta (4), se encontra o líder chinês, Xi Jinping.
É a terceira vez, em pouco mais de um ano, que os líderes dialogarão pessoalmente, o que reforça o enlace entre os países.
Para o Brasil, essa aproximação pode representar uma perda na já anêmica relação com o principal parceiro do Mercosul.
A China se comprometeu a investir US$ 4,7 bilhões em duas hidrelétricas na Argentina, na província de Santa Cruz, base política da família Kirchner. A brasileira Odebrecht chegou a concorrer, mas perdeu para o consórcio formado pela chinesa Gezhouba e as argentinas Hidrocuyo e Electroinngenería.
Os chineses prometeram ajudar na construção de uma quarta usina nuclear argentina e, ainda, aplicar US$ 2,5 bilhões na recuperação da ferrovia Belgrano Cargas, que atravessa 14 províncias.
Argentina e China assinaram 19 convênios de cooperação em julho. No fim de dezembro, o Senado argentino deu sinal verde para um amplo marco de cooperação, que deve facilitar ainda mais o investimento chinês no país.
Uma das principais críticas na Argentina é que esses convênios podem permitir que a China traga equipamentos e mão de obra próprios, em troca de financiamento.
O economista Maurício Claverí, da consultoria Abeceb, ressalta que, se a China importar seus equipamentos para as obras, o comércio com o Brasil tende a ser impactado, porque o país é um importante fornecedor de máquinas e produtos industriais à Argentina.
No ano passado, segundo dados do governo brasileiro, as importações argentinas recuaram 27%. De acordo com a Abeceb, as importações argentinas da China recuaram menos: 4%. Cerca de 60% das compras argentinas da China foram de máquinas e peças para equipamentos.
Por trás dessa aproximação, Claverí ressalta a necessidade do governo argentino em obter recursos para suas reservas internacionais e ganhar fôlego contra a crise financeira que atravessa.
Graças ao financiamento chinês, as reservas argentinas voltaram a superar US$ 30 bilhões ao final de 2014. A China ofereceu US$ 11 bilhões à Argentina pelos próximos três anos, em uma modalidade em que troca yuans por pesos. Já foram utilizados mais de US$ 2 bilhões.
Wu Bei, diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, centro de estudos do governo, lembra que os maiores países da América Latina --Brasil, Argentina e México-- são cruciais na estratégia de aproximação política da China na região, tradicionalmente sob a influência dos EUA.
"Os acordos de cooperação entre China e Argentina são parte de uma dinâmica complementar", disse Wu. "A Argentina se beneficia com o investimento em infraestrutura, e a China pode exportar sua capacidade de financiamento e de construção".
Em meio ao mal-estar causado entre os industriais brasileiros, Pequim diz querer acelerar tanto as relações bilaterais como com a região em bloco. "A China não tem uma mensagem contraditória", disse Hong Lei, porta-voz da chancelaria.
Ex-embaixador da Argentina no Brasil, Juan Pablo Lohle afirma que os países latino-americanos têm uma visão ingênua do interesse chinês. "Só atentam para os investimentos e para as exportações. A China tem uma estratégia política, econômica e de poder na região."
Ele afirma que a Argentina tem menos condições de barganhar do que o Brasil. Para Lohle, os vizinhos precisam dialogar sobre a presença do gigante asiático na região.
"As controvérsias comerciais Brasil-Argentina abrem uma estrada para a entrada da China na Argentina", disse. "Só se mudam discussões comerciais com acordos e investimentos."
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